sexta-feira, 29 de maio de 2020

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA GUITARRA ELÉTRICA


ANDERSON MARIANO

CURSO SUPERIOR DE GUITARRA ELÉTRICA

UFPB




Resumo: Este texto traz algumas informações sobre o processo de surgimento da guitarra elétrica, e também sobre o seu desenvolvimento a partir da década de 1930. O ensino acadêmico deste instrumento no Brasil vem ganhando cada vez mais força, principalmente com a sua institucionalização nos cursos superiores, e este texto visa trazer uma contribuição nesta área através de uma abordagem histórica, e para tal, são utilizados como referência alguns autores que vêm refletindo sobre as peculiaridades do instrumento e de seu desenvolvimento na linha do tempo.

 

Palavras-chave: Guitarra elétrica, História da Guitarra Elétrica, Desenvolvimento histórico.


Title of the Paper in English: Some appointments about the appearance and development of the electric guitar 


Abstract: This text have some informations about the process of appearance of the electric guitar, as well, about its development since the 1930’s. The academic teaching of this instrument in Brazil has been increased with more and more power, Mainly with its institutionalization in under graduate courses, and this text try to give one more contribution in this theme, by a historic view, and for this, are used some reference authors that come reflecting about its peculiarity and development on the timeline.


Keywords: Elecrtic guitar, History of Electric Guitar, Historic Development.


As teorias eletromagnéticas que vieram se desenvolvendo ativamente nos anos finais do século XIX deram embasamento para o desenvolvimento de certas tecnologias no início do século XX. Entre estas, podemos citar a captação e ampliação sonora,  a comunicação à distância através do telefone, e a propagação sonora através de ondas de rádio. Estes aprimoramentos científicos que adentraram o século XX foram fundamentais para a posterior idealização e criação de um instrumento que representa muito bem o avanço tecnológico que os resultados de tais pesquisas trouxe, a Guitarra Elétrica. 

No início do século XX o violão fazia parte dos naipes de acompanhamento das “big bands” de jazz norte-americanas. Sua limitação de projeção sonora em relação aos instrumentos de sopro não possibilitava outra função, se não a de acompanhamento rítmico-harmônico, muitas vezes junto ao banjo. Adrian Ingram, pesquisador, educador e instrumentista reconhecido como uma das maiores autoridades na guitarra jazzística cita: 

Os primeiros experimentos conhecidos (além daqueles usando fonógrafos e telefones) foram os captadores eletrostáticos. Estes eram aparelhos elétricos que transmitiam as vibrações da guitarra a partir do corpo ao invés de diretamente acima ou abaixo das cordas. Lloyd Loar, um designer pioneiro durante o início dos anos 1920, foi um forte defensor deste sistema, e junto com seu colega L.A. Willians, produziu muitos protótipos de guitarra elétrica [...] Willians e Loar colaram um captador eletrostático na parte de dentro da madeira da guitarra (superior). O cabo elétrico e o plug de conexão passavam diretamente através do cavalete, que era localizado na borda inferior. Existiam muitos problemas inerentes no design destes captadores (INGRAM, 2001, pp.8-9)


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Foto: Captador eletrostático fabricado por Lloyd Loar em guitarra Acústica eletrificada da fábrica Vivi-tone.


Em meados da década de 1920 as “guitarras ressonadoras”, também conhecidas como “dobro” se tornaram populares, tinham mais sonoridade que o violão tradicional, assim como uma notável diferença timbrística. 

               Foto: National Resophonic Guitar


Por volta de 1931, George Beauchamp, Paul Barth e Adolph Rickenbacker produziram um captador magnético capaz de transformar em tensão elétrica as vibrações mecânicas das cordas de aço. Ele foi lançado em uma guitarra Lap-steel, que se toca deitada sobre algum apoio, com um tubo de metal ou vidro realizando o papel de um traste móvel (muito utilizada na música havaiana). Sobre estes primeiros instrumentos Adrian Ingram esclarece que:

O instrumento protótipo feito à mão tinha um pequeno corpo redondo e um longo braço, foi inicialmente nomeado de Fry pan, mas os historiadores e colecionadores corromperam esta terminologia para “frying pan”. Em 1932, Beauchamp e Barth formaram sua própria companhia junto com Adolph Rickenbacker. A nova companhia adotou o curioso nome de Ro-Pat-In e começou a manufaturar versões de alumínio da Lap Steel Fry pan .  (INGRAM, 2001, p. 10).



Foto: Primeira Frying Pan, datada de 1931


A adaptação desta tecnologia com captadores magnéticos, para violões, gerou alguns problemas, principalmente devido às realimentações das vibrações das cordas em relação ao corpo do instrumento, bem como problemas de distorções do som original. Em 1936, a “Gibson Company” lança comercialmente o modelo ES150, uma “Archtop jazz guitar” com um captador elétrico embutido. A partir daí, o instrumento poderia tocar linhas melódicas e ser ouvido frente às jazz bands, projetando-se sonoramente no nível dos trompetes, saxofones e outros instrumentos. 

Foto: Gibson ES-150 1936


Um pioneiro dessa geração nos Estados Unidos foi Charlie Christian (1916-1942), guitarrista da era do jazz swing, considerado um dos precursores do bebop, cuja influência estilística enraíza-se até hoje na história da guitarra elétrica. Vejamos estes comentários de Steve Waskman a respeito de Charlie Christian e esta fase inicial da guitarra elétrica:

Desde pelo menos os anos 1960, a guitarra elétrica tem sido o principal instrumento solo da música popular, e os guitarristas tem se tornado heróis venerados sobre quem muitos fãs giram em torno de sua música. O que não era o caso dos anos 1930. Durante os anos de 1930 e o início dos anos 1940, a guitarra elétrica foi transformada num instrumento solista por músicos como Charlie Christian. Apesar de não ter sido o primeiro a tocar guitarra elétrica, Christian usou os novos sons produzidos pelo instrumento para criar um estilo de single note, trazendo a guitarra elétrica para fora do seu confinamento na seção rítmica. Com Christian a guitarra elétrica passou a ter mais “presença” instrumental, no nível dos instrumentos de sopro que dominavam o estilo do jazz swing do momento [...] A guitarra elétrica o seguiu em seu movimento de um herói local de jazz para o virtuoso do swing, e em seguida para o inovador do proto-bebop. Através destas transições e transformações, a guitarra tinha se auto-transformado como instrumento musical e como um objeto comercial (WASKMAN, 2001, pp. 14-16).

 Esta transformação do instrumento em um objeto comercial e popular é claramente observada atualmente nas escolas e universidades de música, onde a guitarra elétrica figura sempre entre os instrumentos mais procurados, e também no mercado informal da música, onde normalmente é um instrumento obrigatório nas formações de diversos grupos. 

Outros nomes importantes nesta fase inicial do instrumento, considerando instrumentistas de fora do Brasil foram Django Reinhardt (1910-1953), Wes Montgomery (1925-1968), Johnny Smith (1922-2013), George Van Eps (1913-1998), Les Paul (1915-2009), Joe Pass (1929-1994), Grant Green (1935-1979), Kenny Burrel (1931), Tal Farlow (1921-1998), Herb Ellis (1921-2010), Barney Kessel (1923-2004), T-Bone Walker (1910-1975), Muddy Waters (1915-1983), Elmore James (1918-1963), Howling Wolf (1910-1976), B.B. King (1925), Bill Haley (1925-1981), Bo Didley (1928-2008), entre muitos outros. 

A partir da década de 1950, o instrumento passou por um intenso processo de popularização, principalmente com o surgimento do Rock’n’Roll, tornando-se um dos símbolos icônicos desse gênero, e paralelo a isso, paulatinamente, de uma indústria cultural de massa. Também foi na década de 1950 que as guitarras de corpo sólido se popularizaram. “Em 1949, a Fender desenvolveu o modelo Telecaster, lançado em 1950. Em 1952, a Gibson lançou o modelo Les Paul; e em 1954 a Fender, o modelo Stratocaster” (MARTIN, 1998, p. 105). Estes três modelos tornaram-se standards e são base do design de várias outras companhias que os copiam até hoje.

A guitarra elétrica é um instrumento de muita versatilidade, com possibilidades melódicas, contrapontísticas, harmônicas e multi-timbrísticas. Nisto incluem-se possibilidades de criação de ruídos e diversas outras sonoridades, principalmente quando o instrumento está associado a diversos efeitos de manipulação do som, além de atuar em si mesmo como uma interface sonora. Observemos abaixo uma descrição do processamento sonoro da guitarra elétrica: 

A geração sonora da guitarra elétrica depende de uma dupla transdução: o captador transforma as vibrações mecânicas das cordas em tensão elétrica, o alto-falante converte essa tensão elétrica em ondas sonoras. É exatamente nesse estágio intermediário – o do sinal elétrico – que se inserem as principais possibilidades de ampliação e de modificação dos recursos do instrumento, advindas da micro-eletrônica e do processamento digital de sinais (SOARES DE CASTRO, 2007, p.1).

Atualmente a guitarra elétrica é presente em diversos gêneros de música popular, e cada vez mais é utilizada na música de concerto. “Fazendo-se o som menos dependente das qualidades físicas inerentes do instrumento, a guitarra elétrica expandiu tanto a extensão de sons disponíveis como a extensão de técnicas usadas para viabilizar e disponibilizar estes sons” (WASKMAN, 2001, p. 292). O seu uso é comum em diversos ambientes culturais, do rock ao jazz, da bossa nova ao “heavy metal”, do reggae ao carimbó, do samba ao funk, tendo uma evidente penetração na cultura de massa e consequentemente uma participação efetiva na indústria cultural. Sobre a variedade estilística no uso da guitarra elétrica, podemos observar que:

Não existe tal correlação entre a guitarra elétrica e sua música. A forma de tocar de Wes Montgomery e Jimi Hendrix, Hank Marvin e Thurston Moore, Albert Lee e Kurt Cobain são exemplos típicos de músicas completamente opostas emanando essencialmente do mesmo instrumento. Por causa de a guitarra elétrica significar muitas coisas diferentes para pessoas diferentes, é impossível prever seu futuro com qualquer grau de certeza. Um desenvolvimento encorajador é o fato de a guitarra elétrica está sendo incluída em escolas de música e conservatórios (INGRAM, 2001, p.93).

Apesar de este instrumento ter uma ligação direta com o universo da música dita popular, diversos compositores/instrumentistas contemporâneos também se interessaram por levar a guitarra elétrica ao ambiente orquestral. Como exemplo pode-se citar Pat Metheny (em um concerto em que interpreta composições suas com a Metropole Orchestra regida por Jim McNeely, em 2003), John Maclaughlin (interpretando o seu Mediterranean Concerto for Guitar and Orchestra junto à London Symphony Orchestra regida por Michael Tilson Thomas, em 1988), Steve Vai (interpretando suas composições com a Metropole orchestra no álbum Visual Sounds Theories, de 2005), Yngwie Malmsteen (no Concerto Suite For Electric Guitar And Orchestra in E Flat Minor com a the New Japan Philharmonic, em 2003), entre outros. Isto mostra o quanto o instrumento tem transitado entre os mais diversos ambientes musicais. 

O guitarrista Frank Zappa é outro nome que se propôs frequentemente a transitar entre o universo orquestral e jazzístico com influências do rock. Um exemplo disso é o álbum de Zappa, lançado em 1984; Boulez conducts Zappa: The Perfect Strange, gravado no IRCAM em Paris, com composições de Zappa, sendo três destas regidas por Pierre Boulez e interpretadas pelo Ensemble InterContemporain (The perfect Strange, Naval Aviation in Art? e Dupree’s Paradise). A vanguarda da música de concerto e a vanguarda do rock se encontram neste álbum

Outro exemplo que podemos citar é a obra Vampyr!, de Tristan Murrail, para guitarra elétrica solo, que vem com a indicação na partitura para “tocar como um guitarrista de rock”. O álbum SYR4: Goodbye 20th century (1999) da banda norte-americana Sonic Youth, traz interpretações de composições de John Cage, Yoko Ono, Steve Reich e Cornelius Cardew, entre outros.

O guitarrista Lou Reed lançou um álbum experimental em 1975, denominado Metal Machine Music, no qual explora exaustivamente o feedback que ocorre ao aproximar a guitarra do amplificador, em diversas velocidades. As guitarras usadas eram afinadas de maneiras não usuais e o instrumento foi associado a diferentes níveis de efeitos de reverberação. O resultado sonoro são camadas de microfonias superpostas durante todo o álbum. Basicamente, Lou Reed trabalha com ruídos que a guitarra pode projetar associada ao amplificador, estando dessa forma sintonizado com as pesquisas de vanguarda na música pós modernista, que buscavam explorar profundamente o fenômeno timbrístico e as novas possibilidades de sonoridades advindas da eletrônica.

Estes exemplos citados comprovam este feedback entre diferentes estéticas, estilos e ambientes, aos quais a guitarra elétrica pode transitar, pois este instrumento traz em sua bagagem uma vasta gama de possibilidades, se fazendo presente em tantos e tão distintos repertórios, e se apresentando atualmente com diversas sonoridades distintas, todas estas, provenientes de um mesmo instrumento, o qual que vem sempre se alinhando com o desenvolvimento tecnológico do universos eletrônicos, analógicos e digitais. Desde seu surgimento, por ser um instrumento caracteristicamente elétrico e poder receber tantas possibilidades de manipulação do som, através de técnicas, pedais de efeitos, sintetizadores e outras possibilidades a guitarra elétrica é uma admirável interface de geração de múltiplas sonoridades.


Referências:



BORDA, Rogério. Por uma proposta curricular de curso superior em guitarra elétrica, 2005. Orientador: José Nunes Fernandes. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005.



COELHO, Victor Anand. The cambridge companion to the guitar. Cambridge university press, 2003.



INGRAM, Adrian. A concise History of the electric guitar. Mel Bay publications, 2001.



SOARES DE CASTRO, Guilherme Augusto.  Guitarra elétrica: entre o instrumento e a interface, Anppom 2007.



WASKMAN, Steve. Instruments of desire: The electric guitar and the shaping of musical expirience. Havard University press, 1999.



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